04/07/2009

A Igreja e a Implantação do Reino de Deus

A Igreja e a Implantação do Reino:
Estudos em Mateus 13
Terminamos nossa última aula vendo que a Igreja foi estabelecida por Deus como “posto avançado” do Reino; somos uma comunidade de pessoas que, individualmente, vimos o Reino nascer em nosso interior; agora, coletivamente, estamos vivendo debaixo dos princípios de nosso Senhor – expressando a um mundo doente e separado de Deus o que é viver de acordo com o propósito do Pai.
Veja Mateus 28:18-20. Jesus realizou sua obra completa e perfeita; mas ele confiou a nós, seus discípulos, a tarefa de implantar o Reino. Essa é a tarefa primordial da Igreja, e o que estudaremos a partir de agora.
Se nossa tarefa, como Igreja, está diretamente vinculada ao trabalho de implantação do Reino, devemos saber como realizá-lo. Jesus abordou esse tema longamente, em seu trato com os discípulos. Mateus 13 nos oferece um sumário, bem ao estilo de Mateus, de diversos ensinos, dados em diferentes momentos do ministério de Jesus, mas que têm todos a preocupação com a implantação do Reino como elemento comum.
Vamos olhar para alguns desses ensinos, de forma a procurar extrair deles princípios que nos ajudem nessa tarefa.

I – Começando do começo: o bom semeador prepara o terreno (Mateus 13:3-9; 18-23)
Quero olhar com vocês para esta parábola, tão conhecida, a partir do enfoque do semeador. Vamos procurar analisar essa figura e o seu comportamento. As pessoas devem ter reagido com risos a essa parábola de Jesus, porque simplesmente ninguém semearia seu campo desse jeito maluco.
Quem semeia a mensagem do Reino (v. 19) deve se preocupar com a preparação do terreno.
Como se dá a preparação do terreno? Veja Oséias 10:12. O “campo de pousio” (ou “solo não arado”, como diz a NVI) era o solo deixado em repouso durante um certo tempo, a fim de recuperar-se; a agricultura se valia então desse sistema de rotatividade de solos. Caso isso não fosse feito, a produtividade decresceria até o solo ficar totalmente esgotado.
No entanto, todo solo deixado em repouso ficava coberto de espinhos, mato, ervas daninhas, pedras. Antes de semeá-lo, era preciso limpá-lo. O anúncio do Reino pode ser entendido como aquilo que diz a palavra profética em Oséias, que é chegada a hora de buscar o Senhor, ou seja, de nos aproximarmos dele e pautarmos nossa vida por ele; mas não se trata apenas de semear. Antes, é preciso preparar o terreno. Por isso Oséias diz: “façam sulcos no seu solo não arado”. (Veja também Jeremias 4:3).
Como se prepara o solo do coração humano para a semeadura? Aqui há diversos aspectos importantes. O trabalho de difusão do Reino não é um mero “programa”, um trabalho que possa ser feito mecanicamente, como o espalhar de sementes feito pelo semeador da parábola. São necessários cuidado e envolvimento. O agricultor prepara sua terra, limpando-a e depois arando-a devidamente. Da mesma forma, devemos “preparar” nossos contatos com as pessoas que desejamos ver atingidas pelo Reino.
Essa “preparação” passa primeiro pelos relacionamentos interpessoais. Se vamos semear, não será a torto e a direito; será naqueles que estão mais próximos de nós. A primeira coisa a fazer, portanto, é cultivar bons relacionamentos. Precisamos aprender a ser “gente boa”, aquele amigo que é ouvido quando diz algo ou faz um convite simplesmente porque é “gente boa”. Alguns exemplos: André (João 1:40-42a) e Cornélio (Atos 10:27, 33).
Outro aspecto dessa “preparação” é a oração. Aqui precisamos ser cautelosos. Quando oramos pela conversão de alguém, precisamos saber que nem mesmo Deus pode interferir na liberdade de decisão do ser humano. Se pudesse, Deus já teria feito isso com todos, porque o desejo de Deus é “que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Mas salvação significa, em seu sentido mais amplo, a realização do propósito de Deus para os seres humanos; e esse propósito, como já vimos, depende do exercício da liberdade de escolha pelo ser humano.
Isso significa que não há nenhum lugar para a oração nesse assunto? De forma alguma; primeiro, porque a oração tem mais a ver conosco, com o mudar a nós mesmos, do que com o “mudar” a Deus. Pela oração, não levamos Deus a se interessar pelas pessoas; ele já se interessa! Pela oração, levamos a nós mesmos a nos interessarmos pelos outros; a oração realça a importância que essas pessoas têm para nós, e ajuda a mudar nossa própria atitude em relação a elas. Talvez por isso Jesus seja tão enfático ao nos aconselhar sobre a oração: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem” (Mateus 5:44). Quando oramos por nossos inimigos, eles deixam de sê-lo de fato!
Em segundo lugar, através da oração estabelece-se um “pacto de ação” entre nós e Deus a favor dos outros. Na oração, Deus e nós agimos em favor dos homens. Deus não pode mudar suas vontades, mas trabalha no sentido de que eles recebam a palavra na melhor disposição de espírito possível. Pela oração, garantimos que a palavra chegará a eles no momento certo e cairá em seus corações no instante mais apropriado para que a ouçam e, livremente, decidam-se a crer.
Fica evidente o quanto este trabalho todo de preparação do solo é básico. É a primeira coisa a fazer, quando se trata de trabalhar pela implantação do Reino.

II – Aprendendo a não fazer julgamentos (Mateus 13:24-30; 36-43)
Esta segunda lição, derivamos de duas parábolas contadas por Jesus: a parábola do joio e a parábola das redes (Mateus 13:47-50). Vamos analisar apenas a do joio, uma vez que ambas diferem apenas nos detalhes exteriores, e não no princípio ensinado.
O joio (ou cizânia) tem um princípio venenoso. Parece trigo (alimento), mas é o seu oposto. A parábola aponta para um certo nível de mistura que existe, inevitavelmente, no meio do Reino. Isso não deve nos espantar. No meio do Reino estão também os que não pertencem ao Reino.
No entanto – e aqui reside a lição da parábola – não nos cabe proceder à separação. Devemos aprender a nos julgar, não a julgar os outros. Podemos até ser severos para conosco, se quisermos; para com os outros, a única atitude que Jesus nos autoriza a ter é a da misericórdia. Esse princípio, aliás, é aquele que Jesus enfatiza também em Mateus 7:1-5 (sobre não efetuar julgamentos).
Aqui, no entanto, o princípio relaciona-se com a expansão do Reino. É o que está em vista. Os julgamentos dificultam a implantação do Reino, porque afastamos as pessoas quando nos fazemos juízes delas. Em sua história, a Igreja infelizmente multiplicou exemplos infelizes nessa área. Quantas pessoas já foram afastadas do Reino por conta de julgamentos precipitados feitos pelos irmãos? A Igreja não está isenta daquela acusação feita por Jesus aos escribas do seu tempo: “Vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo” (Mateus 23:13).
Qual deve ser a posição dos discípulos que se encontram comprometidos com a implantação do Reino de Deus na terra? Devemos deixar o julgamento para Deus. É inevitável que haja “mistura” no Reino. Se é assim, nenhum de nós pode pretender uma comunidade cristã totalmente “pura”. Existem insinceros, mas nós não sabemos quem são; somente Deus os conhece. [Retomar daqui, 25/9/2008.]
A parábola termina falando sobre a necessária separação, que ocorrerá somente “no fim”. Os temas escatológicos, é bom que nos lembremos, não nos dizem respeito; dizem respeito somente ao Pai (veja Atos 1:6-8). O que nos diz respeito é a implantação do Reino. Nesse sentido, há algo muito importante “nas entrelinhas” da parábola: ao invés de ficarmos esfregando as mãos, “esperando pelo juízo” que arrancará o joio de uma vez por todas do nosso meio (!!), devemos compreender que, enquanto estivermos neste tempo de estabelecimento do Reino, todo joio pode tornar-se trigo! Não há um “determinismo” aqui, como se alguns “fossem joio” e não houvesse remédio. Em alguma medida, todos nós já fomos joio! Uma das grandes ênfases do evangelho é justamente o fato de que a mensagem do Reino é uma mensagem transformadora do ser humano!
[Isto não significa que não exista lugar para a chamada “disciplina da Igreja”. Esse lugar existe. Não podemos discutir este assunto no momento; contudo, não podemos negar que a prática da disciplina na Igreja tem sido conduzida em muitos lugares de forma abusiva. Devemos nos lembrar que a disciplina tem por objetivo produzir arrependimento e restauração; “disciplina” e “discípulo” são palavras que apresentam a mesma raiz. “Disciplinar” não deveria ser sinônimo de “afastar”; ao contrário, deveria traduzir a atitude daquele que traz a pessoa “disciplinada” ainda para mais perto, tornando-a de fato aluna (que é o sentido da palavra latina discipulus)].

III – Aprendendo a ter paciência (Mateus 13:33)
Vamos considerar a parábola do fermento. Ela desenvolve o mesmo princípio que aparece, também, na parábola do grão de mostarda. Diferentemente de outras passagens bíblicas, aqui o fermento tem uma conotação positiva (isto é algo que só percebemos pelo contexto).
A lição que a parábola do fermento nos transmite é simples: a transformação do ser humano começa sempre pelo interior e, por conta disso, ela é sempre imperceptível em seu início. Ninguém vê o fermento lançado na massa; ele desaparece. O que vemos – somente depois – são seus resultados.
Precisamos aprender a valorizar essa mudança interior. Mesmo quando não vemos nada, devemos acreditar que a mudança começou naqueles que foram expostos à boa notícia do Reino e responderam positivamente a ela. Daí a necessidade de não termos pressa, de sermos pacientes, de aprendermos a esperar, de compreendermos o tempo de que a graça de Deus precisa em cada um de nós. Somos indivíduos, somos diferentes uns dos outros; Deus não trabalha em série conosco. Não há um controle absoluto de qualidade que determine o tempo de transformação de cada um de nós.
Mas não é essa geralmente, a atitude da Igreja. Os evangélicos, sobretudo, acostumaram-se à padronização. Todos precisam falar de forma igual, gostar das mesmas coisas, adotar os mesmos procedimentos. Quando o sujeito se converte, os demais são tolerantes por um ou dois meses; depois, começam a “cobrar”.
É mais fácil procurar enquadrar todo mundo dentro do mesmo “padrão”. Isso “poupa tempo”, mas diminui a graciosidade do evangelho. O caminho do evangelho é o da amizade, do amor pelo outro que o acompanha ao longo de sua caminhada como cristão; disposto a instruir, a ensinar, a “discipular”. Mas disposto também a esperar o tempo que for necessário, até que a mudança interior se evidencie em todas as dimensões da vida. Precisamos de um sensível equilíbrio entre esses dois elementos (ênfase no ensino, disposição para isso; e paciência para aguardar).

IV – Compreendendo o valor do Reino (Mateus 13:44-46)
Jesus nos ensina esta lição através de duas parábolas, a do tesouro oculto no campo e a da pérola de grande valor. Como nos demais casos, vamos nos ater a uma delas: a parábola do tesouro oculto.
Ambas as parábolas possuem uma palavra-chave: tudo (Mateus 13:44, 46). O que isso significa? Que o Reino tem um caráter radical: ele pede tudo de nós!
Precisamos compreender adequadamente a tensão que existe entre, de um lado, o caráter gracioso do evangelho e, de outro, seu caráter custoso. Como algo pode ser de graça e ao mesmo tempo custoso? –Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano alemão, falava em graça barata e graça preciosa. A “graça barata”, para ele, é a negação do evangelho; nas palavras de Bonhoeffer, é “a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, / é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. / A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado” .
Ao contrário da “graça barata”, a graça do evangelho é gratuita e ao mesmo tempo custosa. Pense numa peça que me é vendida por um preço muito inferior ao seu real valor; no entanto, esse preço é tal que custa tudo o que eu tenho. A graça do evangelho é assim: seu valor é altíssimo; ela me é oferecida em troca de tudo o que eu sou. O preço é caro para mim, mas é “de graça” em relação ao valor do que me é oferecido!
Para fins da implantação do Reino, é muito importante ter clara essa noção do seu valor. Na parábola, o homem que encontra o tesouro vende tudo o que tem com alegria. Por quê? Porque ele reconhece que o tesouro encontrado vale mais do que tudo quanto ele possui.
Por vezes nos empolgamos tanto com o caráter radical do Reino, o “tudo” que ele exige, que nos concentramos apenas nesse fato. Algumas pessoas são, na verdade, mais “enérgicas”, e gostam desse tipo de apresentação do evangelho. No entanto, a sabedoria mais prosaica do mundo das vendas nos ensina que nenhum bom vendedor começa falando sobre o preço do produto. Primeiro ele apresenta o valor, os méritos do produto; depois fala do quanto o produto custa.
Nossas vidas precisam ser exemplos vivos do valor do Reino de Deus. Se for assim, os outros é que nos perguntarão o “preço” – o “como viver do jeito que vivemos”. Aí, uma vez que eles viram o tesouro e estão maravilhados com o seu valor, poderemos falar a eles do preço: poderemos dizer que, de fato, o Reino custa tudo; custa toda a minha vida entregue ao Senhor. Mas, diante do valor, esse tudo é de graça!
Esses princípios devem nos estimular a uma apresentação mais simpática do evangelho. Devemos nos lembrar constantemente de que não pregamos com palavras, mas com atitudes, com a totalidade do nosso jeito de ser. Se muitos não nos dão ouvidos, é justamente porque há discordância entre o que dizemos e o que somos.
Vamos aprender a depender da graça de Deus – essa mesma graça que age em nós e realiza tudo para a glória do Pai – para que nos tornemos, como pessoas, individualmente capacitados e comprometidos com a implantação do Reino. E que, como Igreja, deixemos de nos preocupar com coisas insignificantes para nos concentrarmos nessa que é a nossa responsabilidade mais central.

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